sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

MÁXIMAS E MÍNIMAS

Desconfie de quem só sabe tecer elogios. Com a boca louva-te pelas ruas, mas com a língua te apunhala pelas costas.

Não faça planos com quem fala muito ‘eu isso, eu aquilo’ pois neste discurso não há espaço para o ‘nós’.

Cada um de nós sabe aonde lhe aperta o calo, mas somente alguns têm coragem de andar descalço.

Verdades nunca são ditas ao pé do ouvido mas sim de frente, olhando nos olhos.

Quem trata os outros como bens de consumo acabará falido e esquecido por conta de sua própria insaciedade e insanidade.

Quem fala da vida dos outros expõe a própria, primeiro.

Quer saber o que alguém pensa de você? Contrarie esta pessoa e ela revelará tudo.

Nunca abra a boca sem antes abrir os olhos para ver, os ouvidos para ouvir e a mente para entender. Do contrário, será tomado como tolo.

Antes de apontar o defeito dos outros, certifique-se de não estar você mesmo diante do espelho.

Carência afetiva é igual doença para plano de saúde: pré-existente e não tem cobertura.

Cuidado com a paixão fulminante. Você pode sair dela, no mínimo, chamuscado.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A PRIMEIRA GOTA

De costas para a rua e olhando fixamente para o velho portão de ferro pintado de cinza, ele não esboçava nenhuma reação. Não se sabe ao certo por quanto tempo ele ficou ali, parado em frente ao portão de sua casa; molho de chaves em uma das mãos e na outra um saquinho de papel com seis pãezinhos que ele acabara de comprar na padaria da esquina.

Homem de poucas palavras, ele sempre entrava apressadamente em sua casa. Tinha o semblante entristecido pelas circunstâncias da vida, não era dado a muita interação com os vizinhos, exceto os habituais “bom dia” e “boa noite” e nada mais. Dele não se sabia nem o nome.

A vizinhança que por estas horas, todos os dias, fazia na pacata rua residencial uma verdadeira bagunça com crianças ainda com o uniforme das escolas correndo de um lado para o outro brincando de pega-pega; senhores animados discutindo o futebol do fim-de-semana; jovens donzelas prontas a estender olhares para o primeiro rapagão que passe; senhoras já nem tão jovens trocando receitas de bolo, receitas de tricô, impressões e fatos dos capítulos de ontem das telenovelas e da vida de outrem e mais adiante uma senhorinha passeando com o seu bichano enquanto, do outro lado da calçada, um pitboy tenta segurar seu pitbull; rapidamente vai se recolhendo em suas casas.

Uma gota gelada cai por entre seus olhos tirando-o assim de seu transe contemplativo e ele então percebe que está completamente molhado pela chuva que cai intensamente.

Uma das crianças que ate pouco tempo antes brincava – seca – de pega-pega, corre na direção dele e muito rapidamente, com as duas mãozinhas, segura no braço dele e diz bem alto: “Peguei, tá com você!” e sai correndo o mais rápido que pode para junto das outras crianças que agora, molhadas, observam o homem então vira-se bem devagar em direção a elas, semblante franzido, lentamente ele deixa o saquinho com os agora encharcados seis pãezinhos em um canto, perto do velho portão cinza, coloca o molho de chaves em um dos bolsos da calça, abre um sorriso e junta-se aos pequenos em sua algazarra pueril.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O POETA DOS VERSOS PERDIDOS

Ele havia demorado dias para escrever seus versinhos de amor. Investira tempo pensando as melhores palavras e após folhas e mais folhas de papel amassadas ao chão havia finalmente terminado sua obra. Não era nenhuma declaração pungente, era apenas o dizer simples do sentimento mais ternos que ele já houvera experimentado: a paixão.

E naquele mesmo dia, a noite, ele haveria de encontrar-se com sua inspiração. Engalanou-se todo; o perfume caro somente para ocasiões especiais foi usado sem modéstia. Estava impecavelmente trajado. Sorriso no rosto, olhos brilhando... tudo tinha um motivo: sua inspiração voltara de viagem.

Antes da hora marcada, apressadamente saiu de casa e se certificou de que seus versos estavam devidamente escritos no cartão que houvera adquirido. Chegou ao local do encontro com trinta minutos de antecedência e, tanto quanto pudera, pacientemente aguardou até que seus olhos pudessem ver a razão de seu afeto.

Pronto ali estava, bem na sua frente a amável figura por quem seu coração, de uns dias para cá, andava batendo acelerado. O mundo parecia ter parado. Ficaram assim, como que congelados no tempo a se olharem, não era preciso dizer mais nada; mas ele queria dizer, dizer seus versos de poeta, os versos que pensara e escrevera na tarde daquele dia.

Ao buscar o cartão aonde escrevera seus versos, não o encontrou consigo. O coração acelerou-se, suas mãos ficaram geladas, seu rosto agora exibe um ar de preocupação e lentamente fixam o chão. Os versos e o cartão ficaram no banco do táxi que o levara ao aeroporto.

Aturdido e não conseguindo dizer palavra, o poeta retirou-se cabisbaixo. Perdera os versos, extinguiu-se a paixão, acabara o amor e retirou-se a Inspiração.

Tempos depois, de desgosto e desilusão, o poeta morreu, tão esquecido quanto os versos perdidos que para ninguém leu.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

RASCUNHOS DO MEU CARNAVAL

É quase fim de festa.
Nas praças, becos, vielas, ladeiras, ruas, avenidas, aonde quer que haja uma batucada, um ziriguidum qualquer, a massa de foliões ainda se aperta, se espreme, canta, samba e dança (ou pula, como preferem alguns) animadamente.

A comissão de frente já fez sua última evolução juntamente com as demais alas da escola, o último carro alegórico já está de volta no barracão, a porta-bandeira recolheu o pavilhão, o mestre-sala deu seu último rodopio, da bateria já soou o último repique do surdo, a baiana fez seu último giro, o alegre passista tocou o pandeiro pela última vez enquanto a sorridente mulata fazia seu encantador requebrado com os quadris para um último flash na avenida.

Silêncio...

Na escadaria da passarela do samba, deitado com o corpo entre um degrau e outro o folião desfalecido, tomado pelo cansaço da folia, adormece. Para onde a vista alcance o que se vê são as sobras da festa de Momo: confetes e serpentinas, plumas e paetês, adereços e fantasias, máscaras e mascarados, pierrôs e colombinas.

Minha introspecção só é interrompida pelo cantarolar desafinado do sorridente gari que, entre um varrer as cinzas da festa e outro, faz da vassoura sua parceira de avenida, de samba, sua mulata.

Cantarolo com ele o samba de sua escola do coração; gentilmente cumprimento a sua “mulata”, pego meu chapéu e saio pela avenida, agora vazia.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

ALMA ZONA SUL

No apressado vai e vem dos teus diferentes pés.
No encontro desencontrado dos diferentes sotaques em tuas esquinas, calçadas, praças e jardins.
Lá estás!

Serpenteias e repousas placidamente nos braços da cidade que te acolheu.

De porte austero e burguês contrastas com a simplicidade e simpatia das almas muitas vezes ignoradas no transcorrer do tempo neste teu trânsito que pára e parado de detém. Retém e se faz refém na reta curva das ondas deste oceano azul de areias brancas que já não mais disfarça a língua negra, fétida e escura a revelar e apontar o disfarçado preconceito de teus sorridentes moradores.

Teu corpo suado, sarado, marcado pelo tempo, bronzeado... tudo em você se funde na indivisível amalgama de ter o mar como vizinho de porta.

Que charme!!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

COM VOCÊ

Em teu braço abraço a alegria de viver
Na gostosa saudade de teu afago
Na doce lembrança do teu beijo.

Repouso no descanso do teu sorriso
No riso solto que ilumina tua face
Na candura terna e meiga da tua voz a chamar meu nome.

Conto as horas para te ver
E aguardo o tempo de te amar
Com toda a força do meu desejo
No suave toque de nossos corpos nus.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

RIO 40 E TANTOS GRAUS

Tenho experimentado as delícias, venturas e desventuras de viver o auge do verão carioca com o que ele tem de melhor: o sol. Não falo de um solzinho brando, ameno que surge plácida e docemente no horizonte, falo do astro-rei que tem feito torrar a paciência de muitos, inclusive a minha.

Acordar com sol “batendo” na janela tem quase o mesmo efeito de uma exposição direta no melhor estilo praiano então, como não tenho ar refrigerado no aposento onde repouso minha singela e modesta massa corpórea para o descanso, durmo de sunga de praia porque se perder a hora de levantar pelo menos já pego uma cor, já consigo um bronzeado matinal.

A ida para o trabalho ou uma mera saída de casa é parte do suplício do munícipe condução, seja ela de que tipo for, com ar-condicionado é milagre e quando passam vale tudo – tapas, socos, pontapés, dedo no olho, etc, etc, etc – para conseguir entrar primeiro e garantir um lugar sentado. Se você não conseguir fazer a viagem sentado dentro do “frescão” – como são carinhosamente chamados os ônibus que tem sistemas de ar-condicionado – conforte-se de pelo menos ser encoxado sob refrigeração.

Mas frescão é milagre e milagre só na igreja então resta o bom e velho, sempre velho, “quentão” mesmo. E vamos que vamos suando em bicas, sendo encoxado aqui, apertado ali, sacolejando feito pipoca no óleo quente. E se alguma coisa está ruim sempre pode piorar, o trânsito da um nó e tudo para e nada anda; no engarrafamento monstro o único que anda é o camelô de um lado para o outro anunciando a plenos pulmões o seu produto: “água, água mineral!”

O trabalho é oásis ou continuação do suplício infernal, tudo depende da quantidade de btu’s ou rpm’s. sair de baixo do ar-condicionado ou da frente do ventilador só se for em caso de extremíssima urgência-urgentíssima, como por exemplo, para atender ao chamado da mãe-natureza. E aí então você pode até levar uma folha de papel, um pedaço de cartolina, um leque, enfim, qualquer coisa que possa proporcionar-lhe algum frescor durante a atividade biológica. Cá entre nós: de mais-a-mais, nestas horas um ventinho circulando é bom para disfarçar o budum, né?

Hora do almoço é sempre surpresa. Onde comer sob um calor de fritar ovos no asfalto? Muitos restaurantes mantêm a tradição e oferecem os pratos mais “absurdos” neste calor: feijoada, leitãozinho a pururuca, peixe frito, buchada de bode, strogonoff. Mas se você achou isso “pesado” demais sempre existe uma opção mais “leve”, mais saudável, mais natural: sopa, e quente!! Tem maluco pra tudo mesmo.

No pouco espaço de tempo que resta pós-almoço e pré-trabalho vespertino, o negócio é procurar um lugar que tenha ar-condicionado e matar o tempo ali. Nesta busca qualquer lugar é válido: shopping, banco, farmácia, loja de doce, repartição pública, magazines, centro cultural, livraria, igreja, etc, etc, etc.

A volta para casa é tão cruel quanto a ida para o trabalho mas agora já não mais importa o aperto, o desconforto, a encoxada, o engarrafamento ou o camelô, o único que parece feliz no fim de um dia tão quente, que continua a anunciar a plenos pulmões o seu produto: “água, água mineral!”

Quero descanso, estou um bagaço.

Vou dormir de sunga porque amanhã, por certo, vai dar praia de novo... na minha cama.