quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A PRIMEIRA GOTA

De costas para a rua e olhando fixamente para o velho portão de ferro pintado de cinza, ele não esboçava nenhuma reação. Não se sabe ao certo por quanto tempo ele ficou ali, parado em frente ao portão de sua casa; molho de chaves em uma das mãos e na outra um saquinho de papel com seis pãezinhos que ele acabara de comprar na padaria da esquina.

Homem de poucas palavras, ele sempre entrava apressadamente em sua casa. Tinha o semblante entristecido pelas circunstâncias da vida, não era dado a muita interação com os vizinhos, exceto os habituais “bom dia” e “boa noite” e nada mais. Dele não se sabia nem o nome.

A vizinhança que por estas horas, todos os dias, fazia na pacata rua residencial uma verdadeira bagunça com crianças ainda com o uniforme das escolas correndo de um lado para o outro brincando de pega-pega; senhores animados discutindo o futebol do fim-de-semana; jovens donzelas prontas a estender olhares para o primeiro rapagão que passe; senhoras já nem tão jovens trocando receitas de bolo, receitas de tricô, impressões e fatos dos capítulos de ontem das telenovelas e da vida de outrem e mais adiante uma senhorinha passeando com o seu bichano enquanto, do outro lado da calçada, um pitboy tenta segurar seu pitbull; rapidamente vai se recolhendo em suas casas.

Uma gota gelada cai por entre seus olhos tirando-o assim de seu transe contemplativo e ele então percebe que está completamente molhado pela chuva que cai intensamente.

Uma das crianças que ate pouco tempo antes brincava – seca – de pega-pega, corre na direção dele e muito rapidamente, com as duas mãozinhas, segura no braço dele e diz bem alto: “Peguei, tá com você!” e sai correndo o mais rápido que pode para junto das outras crianças que agora, molhadas, observam o homem então vira-se bem devagar em direção a elas, semblante franzido, lentamente ele deixa o saquinho com os agora encharcados seis pãezinhos em um canto, perto do velho portão cinza, coloca o molho de chaves em um dos bolsos da calça, abre um sorriso e junta-se aos pequenos em sua algazarra pueril.

Um comentário:

Fernanda disse...

Lindo :)