terça-feira, 16 de novembro de 2010

UM DIA DAQUELES

Um dia daqueles é todo dia.
E eu que ainda me espanto com toda a sua costumeira grosseria,
Esta falsa alegria de quem canta sem cantar,
De quem sorri sem aquele brilho nos olhos,
De quem com uma gargalhada tenta abafar o grito retumbante de um ser vazio.

Um dia daqueles é todo dia.
Então não há mais surpresa pois sei que hei de encontra-te por entre tuas mentiras,
Nesta falsa aparência de ser feliz.
Ressentindo-se de ser quem és, protagonista do patético espetáculo de tua vida cheia de magoas.

Um dia daqueles é todo dia.
Diante do teu dissimulado bem-querer de quem muito gostaria que não existisse mais ninguém, exceto a si mesmo e no máximo um outrem.
No charco em que vives cercas-te daquilo que lhe convêm,
Esquecendo-se de repartir não as quinquilharias que juntaste de outros tempos, de outras eras, de outros brejos...
Mas nada tens a repartir, isto é fato; dos arremedos de tua vida nada aprendes-te que outros possam querer.

Um dia daqueles é todo dia.
Convivendo com tua ignorância de quem julga muito saber.
Fazendo tudo de qualquer jeito.
Satisfazendo-se em si mesmo.
Comendo amargas bagas do desamor para consigo mesmo.
Tua esperança não vai além do presente instante, tua crença está em coisas, teu deus é você mesmo.

Um dia daqueles é todo dia.
Invariavelmente repleto de tudo o que te contêm: ironia, descaso, vis interesses, pérfidos planos e mentiras.

domingo, 10 de outubro de 2010

406 - FUNDOS

Uma das mais inusitadas e maravilhosas experiências que coletivamente passamos a vivenciar desde que deixamos a vida errante e nômade para trás e nos organizamos - (?) - nas cidades, foi a de ter vizinhos.

E sejamos honestos: ter vizinhos é tudo de bom!

É a certeza de ter alguém para conversar sobre de tudo um pouco, ou muito mesmo; se falta o açúcar para o café, se o botijão de gás está no finzinho, se falta aquele troco para a condução, se a mistura está no fim, nas mais diversas situações o primeiro socorro vem do vizinho. Até mesmo o jornal de domingo, se o vizinho já leu dá pra pedir emprestado e ficar por dentro das notícias, dos acontecimentos. Não há como negar, na hora do aperto, vizinho é socorro garantido.

Mas se o vizinho for aquele tipo "flor-que-não-se-cheira" ou fizer a linha que "não-presta", ainda sim será bom tê-lo por perto para ser o assunto dos outros vizinhos.

Meus vizinhos também são ótimos. Minha vizinhança é agitada, movimentada por um forte e auspicioso comércio e como o que é bom deve ser repartido, divido com você caríssimo leitor que acompanha este blog toda a pujança da minha modesta vizinhança.

Em frente de casa há o salutar e sempre bem-frequentado Restaurante "Mosca Feliz" que servindo o que há de melhor da cozinha local cativa o "criente" amigo e onde sempre há música ao vivo nas embaladas noites de sexta. Este pitoresco espaço gourmet só não perde em movimento para o Galeto "Aves Raras", a mais nova opção gastronômica da região, que vende tudo o que tem, ou melhor, tinha pena, devidamente acompanhado de farofa e molho.

A "Casa de Carne Iça", a boutique de carnes destas paradas inova e expande as opções ao comercializar carne ao sol, refrigerada - técnica moderna e única que consiste em deixar a carne dentro do balcão frigorífico exposta ao sol.

A Padaria "Pane di Solla" juntamente com a Confeitaria "Doci-Mundo" concorrem bravamente para ver quem tem o pãozinho mais gorduroso e elástico ou o bolo confeitado a mais tempo exposto no balcão.

O Armazém "du Bagulio" seria uma típica mercearia de cidadezinha do interior com aguardente com raiz, fumo de rolo e cereais a granel se não fosse também a diversidade de outros produtos vendidos no local. Vai aqui a orientação ao incauto turista acidental que pelos lados de cá resolva perambular: ao pedir farinha, especifique se quer de trigo, de rosca, de milho ou mandioca, caso contrário a tua receita vai desandar.

O espaço dedicado aos animaizinhos de estimação é moderno e arrojado, trabalhando na vanguarda, lançando tendência sendo um espaço alternativo e mix: “Cão do Demo”, mistura de pet-shop, livraria, papelaria e casa de artigos de umbanda. Axé!

Toda vizinhança que se preze tem que ter um toque de requinte e glamour. É primordial a existência de um lugar para dar um “tapa” na aparência, renovar e remodelar a carcaça, ajustar a peruca e fazer outras pequenas alterações na lataria, então, o espaço "Mô & Créia Beauty Center" fecha com chave de ouro a rica e pitoresca experiência de ter vizinhos por estes lados de cá.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

PIUÍÍÍÍ

A plataforma apinhada de gente já era um indicativo de que esta seria mais uma viagem desconfortavelmente normal.


O trem nem bem começara a aparecer na curva da linha férrea e o empurra-empurra já podia ser percebido por entre a massa humana.

Lentamente a composição de aproxima. Os freios são acionados. O cheiro de borracha queimada só não é mais forte e desconfortável do que o olor individual somado e adicionado na coletividade depois de um dia todo de árduo trabalho nesta cidade que, no inverno – e estamos nele apesar dos 35 graus – e no verão ainda é chamada de Cidade Maravilhosa.

Finalmente a poderosa, enferrujada e sucateada estrutura metálica para. Ouve-se um longo apito e as portas são abertas. Eu nunca vi pessoalmente mas talvez o estouro de uma boiada seja mais ordeiro e humano – por mais estranho que possa parecer – do que a indescritível cena das gentes tentando entrar, trocando a plataforma repleta e cheia por um vagão de trem idem.

Uma vez alojado no exíguo espaço que cabe – e mal cabe – a cada um, como coração de mãe, sempre cabe mais um, mais dois, três... e a cada estação, em função exponencial, o coletivo toma e adquire forma, significado e contato. Incontáveis são os encontros entre os corpos espremidos.

A massa humana agora mais parece carga humana. Logística perfeita no princípio de maximização do uso do espaço físico a fim de proporcionar a melhor relação custo-benefício para a empresa e o pior serviço para os usuários no tocante a qualidade, segurança, conforto, privacidade, educação, dignidade e respeito.

Sardinhas mortas em latas de metal em qualquer prateleira de mercado vão para o além – ou para o prato mesmo – com mais conforto e dignidade do que a digna população que sob a indigna condição é transportada.

O sacolejo da composição faz ajeitar o populacho fazendo vagar qualquer centímetro quadrado onde um corpo prensado certamente encontrará lugar.

Segue.
Sigo.
Seguimos viagem, nas retas e curvas da estrada de ferro;
no abrir e fechar das portas;
no ir e vir;
no parar, sair;
no chegar,
partir...

sábado, 7 de agosto de 2010

PRESENTE

Presente é mais do que embalagem, papel colorido, laço ou fita.

Presente não é qualquer coisa,
Quer a fina loja possa ter
Ou o humilde ambulante oferecer.
Presente está longe de ter marca, etiqueta, valor, cifra ou centavo.

Presente não deve ser esperado.

Presente é o afago de um abraço fraterno
É o aperto de mão.
É livre opinião.
Discordando na concordância
Ter a capacidade de encontrar a semelhança.

Presente é rir do cotidiano
Deixando-o mais leve, menos sisudo.

Presente é amizade
Aquela que é sincera
Autêntica e verdadeira
Por entre um mundo de máscaras.
À amiga Edileuza, em comemoração do seu aniversário.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

CROMOSSOMOS PARECIDOS

Maldita é a herança genética.

Não aquela cromossomicamente transmitida, herdada, no DNA gravada.
Malévola é a carga descarregada de bons sentimentos, sem afeto, sem respeito.

Crias que o tempo cria, que o mundo molda, em pleno desespero existencial na indelével rebeldia de um total desespero, desamor.

Rebentos sem coração.

Farrapos humanos, desalmados, presos ao desassossego de uma mente doente, carente em todos os aspectos e nuances do mais nobre dos sentimentos: o amor.

Formas humanas sem contudo o serem.

Cisternas vazias de educação.
Fartas nascentes de ganância e grosseria a espalhar seu veneno, fazendo matar toda a esperança de um convívio fidalgo, cortês.

Pobres almas aflitas!
Exultai hoje, agora enquanto tendes nas mãos o cetro e na cabeça a coroa sem pensar no dia de amanhã.
Continuai a maltratar os que vos cercam e servem.
Prossegui no trabalho de espalhar laços no caminho de quem se avizinha.
Admirai com satisfação o sofrimento que causais.
Mais uma vez digo: exultai hoje, agora!
Contudo, temei e tremei diante do dia depois de hoje, quando tiverdes que prestar contas.

Orai desde agora por vossas almas para que delas alguém se compadeça e que vossas memórias não sejam apenas a fria lápide esquecida em um campo de paz.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

TEMPOS MODERNOS

Um dos maiores desafios do presente século e para os anos vindouros é o que diz respeito a qualidade de vida e mais especificamente como alimentar uma população que não para de crescer.


Os avanços na produção de alimentos mais resistentes as pragas, as adversidades climáticas e a criação em larga de seres biológicos comestíveis – quem nunca comeu um hambúrguer de carne de “ave”? – fez e faz com que a geração fast-food aumentasse e ainda aumente a cada dia.

Crianças são incentivadas pelos próprios pais a consumirem uma alimentação mais moderna composta de lanches saborosos porém potencialmente fatais. Até mesmo as opções ditas “naturais” não passam de coquetéis venenosos pois apresentam em sua composição níveis quase fatais de açúcar, sal, conservantes e hormônios.

O resultado desta alimentação moderna, prática, saborosa e quimicamente enriquecida com vitaminas e também veneno é visível nas ruas e consultórios médicos. Para citar apenas um exemplo dos efeitos desta comida moderna: o aumento no número de pessoas obesas tem feito crescer a busca por tratamentos, dietas e até terapias alternativas por parte daqueles que se tornaram viciados em uma alimentação desequilibrada.

Alergias; alterações no metabolismo; distúrbios hormonais; baixa resistência imunológica; diabetes; pressão alta; disfunção hepática, renal, pulmonar, circulatória, cardíaca, gástrica e até alguns distúrbios de comportamento são alguns dos resultados que as embalagens coloridas não mostram ao, as vezes, incauto consumidor.

Se os alimentos industrializados pouca ou nenhuma confiança inspiram para promover a saúde e a segurança alimentar, o que dizer dos alimentos industrialmente naturais?Os produtos hidropônicos que, teoricamente, sem nenhum pesticida ou agrotóxico no seu desenvolvimento são os mais recomendados, já não mais inspiram tanta confiança por parte dos consumidores. Diversas pesquisas já comprovaram que na aparentemente pura e cristalina água que irriga e alimenta tais produtos, são acrescentadas doses de “complementos” e “suplementos vitamínicos” afim de auxiliarem no desenvolvimento “sadio” da plantinha.

As carnes e os produtos derivados de animais também já, há muito tempo, pouco tem de saudável e muito oferecem de risco a saúde. O frango e o peru são puro hormônio. A produção de ovos é quimicamente “incentivada” em galinhas confinadas, estressadas e que depois de mortas viram suculentos pedaços de asinhas, coxa, sobrecoxa e peito congelados.

O leite da vaca vem em caixinha com a adição de conservantes para garantir o prazo de validade. A carne vermelha, tal qual as carnes brancas, não passam de suculentos bifes de hormônios que ajudam muitíssimo o aparecimento dos mais variados tipos de cânceres no aparelho digestivo.

Ufa, o peixe está salvo! Ledo engano. Já é comum a pesca em grandes fazendas onde os aquáticos animais vivem confinados em grandes piscinas e são alimentados a base de ração para uma engorda mais rápida, desenvolvimento acelerado e retorno financeiro garantido para o fazendeiro. Os peixes de alto-mar também já sofrem com o elevado nível de poluição, graças a toda a sorte de sujidades que jogamos em nossos mares, na vil e vã tentativa de maximizar o adágio popular que diz: “O que os olhos não vêem, o coração não sente.”; esquecendo-nos de que nossa saúde e qualidade de vida também depende dos oceanos.

Vivemos em um tempo moderno onde a busca por uma alimentação realmente saudável tem sido tarefa cada vez mais difícil. Nunca como agora a horta da “casa da vovó” faria tão bem a saúde de tantos que, sem se aperceberem, tem sido consumidos – literalmente – por esta alimentação moderna.


domingo, 18 de julho de 2010

A LISTA

A todo o tempo elaboramos listas. De compras, de tarefas, do que fazer, do que não fazer, do que quero, do que não quero. Lista para lembrar, lista para esquecer. Lista de entrada, de saída, de prioridade. Lista de pessoas, de amigos, de nomes, de endereço, de telefone, de email... lista de listas, para melhor organizar a vida.


Estes dias fiz uma lista também. Modalidade: compras. Motivo: amigo viajando para o exterior.

Não cheguei a colocar nada no papel, mas mentalmente a minha lista rapidamente ficou grande, recheada de coisa que quero. A camiseta daquela marca famosa, o perfume com a fragrância da moda, aquela novidade tecnológica que apareceu ontem no jornal mas que deve chegar por aqui somente daqui a 8 meses... e quanto mais eu pensava mais itens foram sendo acrescidos a lista.

De súbito então percebi que já havia vislumbrado todos os itens da minha lista comigo, entretanto havia me esquecido do principal de todos eles.

Invariavelmente fazemos assim: elencamos o que queremos sem dar muita ou sequer nenhuma importância ao que de fato é principal, primordial, ao que realmente importa.

Quando percebi que estava colocando meus objetos de desejo, coisas realmente sem importância vital para mim na frente de meu amigo, senti imensa vergonha .

Desisti da minha lista de coisas. A tal camiseta não é assim mais tão bonita, aquela fragrância já não cheira tão bem e a novidade tecnológica não faz diferença. O que importa mesmo, o que vale a pena receber de volta lá do exterior é o sorriso sincero e o abraço fraterno daquele que tem sido e é meu amigo.


Ao amigo Paulo Ricardo.

domingo, 4 de julho de 2010

NA ERA DO SABER

O século passado fez multiplicar os Saberes, as Ciências, as tecnologias, os Conhecimentos e mais uma infinidade de outras situações do dia-a-dia nosso de todo o dia, pleonasticamente repetitivo.


O presente século nem bem começou e o que no final do ano passado era novidade hoje já é obsoleto, ultrapassado, velho, arcaico. Uma nova geração de pessoas e tecnologias está nas ruas, nas casas, nas escolas e nas empresas experimentando e vivenciando situações com as quais certamente nossos pais nem sequer chegaram a sonhar.

Dados e informações transitam de um lado a outro do mundo e são copiados, repartidos, multiplicados e divididos aos milhares, para milhões ávidos em saber, não se sabe bem o quê ou para quê.

Hoje é preciso saber.

Que o escritor, morreu.
Que a igreja, escondeu.
Que a terra, tremeu.
Que o atleta, venceu.
Que o outro, perdeu.
Que a jovem, envelheceu.
Que o rico, empobreceu.
Que o gordo, emagreceu.
Que o candidato, prometeu.

Que o político, mentiu.
Que a prova do crime, sumiu.
Que a floresta, diminuiu.
Que o vulcão, explodiu.
Que a economia, expandiu.
Que a ex-ministra, saiu.
Que a água, subiu.
Que a cidade, ruiu.
Que o cantor, assumiu.

Que a cantora, beijou.
Que a novela, terminou.
Que a atriz, separou.
Que a revista, errou.
Que a doença, avançou.
Que a bola, não entrou.
Que o brasileiro, chorou.
Enfim, que o mundo... mudou.


“examinai tudo. Retende o que é bom” I Tessalonicenses 5:21


quinta-feira, 3 de junho de 2010

ECOS DA TECNOLOGIA

Estes dias enquanto caminhava pelas ruas quentes, abafadas, sujas e apinhadas de gentes, percebi como a vida as vezes parece ser tal qual um monólogo diante do espelho.

Muitas foram as avistadas almas a tagarelarem de si, para si, consigo mesmas, entrementes ao seu proprio caminhar. Ruidosa sinfonia de vozes a proferirem alguns grandes, longos e elaborados discursos, outros apenas simples afirmativas ou negativas, todos sempre carregados de forte expressão facial e corporal no interessante e único balé de braços, mãos, ombros e cabeça co-participantes desta verborrágica fluência.

Talvez este hábito - o de ´falar sozinho` - tenha raízes, motivo e causas mais profundas do que possamos supor. Tal fenômeno já tão comum neste século tem se agravado graças aos avanços tecnológicos que nos colocam cada dia mais diante de uma tela de computador onde as relações socias, antes reais e pessoais são substituídas por bits, bytes e cliques impessoais em um espaço virtual realmente inexistente e sob um www qualquer.

Nestes espaços eu não falo, digito; não ouço, leio; é uma máquina quem me atende, estou diante de uma máquina, falo a linguagem da máquina, me sinto uma máquina, sou tratado como uma máquina e assim, sem que eu perceba, vou sendo, aos poucos, treinado e preparado para uma vida o mais autônome e virtual possível.

A tecnologia que me auxilia e prepara para este mundo de múltiplas realidades e experiências ora reais, ora virtuais é a mesma que me isola, aprisiona e me faz refém dos ecos de minha própria voz muda diante de platéias surdas em uma esquina qualquer nestes dois mundos ora distintos, ora assemelhados.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

EU EM 14 LINHAS

Quem há de ouvir meu pranto?

Quiçá minha voz?
Eu canto.

Neste estribilho em verso e prosa,
permita-me perdido,
encontrar-te.

Escura é a tinta da caneta.
Fino é o traço no papel.

Culta é a norma,
assim ela informa:
da poesia, aprendiz;
na vida, ator;
aos teu olhos, poeta;
da tua vida, amor.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

ATRAÇÃO FATAL

Letras convidam letras

     e formam palavras.

Tuas palavras atraíram minhas palavras
     e assim, juntos, formamos frases.

Nossas frases se fundem,
     se complementam,
          as vezes divergem,
               se interpõem,
                    se reescrevem no prazeroso exercício da retórica da vida.

Misteriosa é a força da palavra.

Delicioso é este exercício de descerrar o véu do universo das letras e contemplar nas palavras tua alma de poeta.

à amiga Kely Cristina

sábado, 27 de março de 2010

É PÁSCOA...

Uma rua, uma casa simples, uma mãe, um menino e o vento.

Ele não conseguia entender o motivo de tanta agitação. Era época de festas mas nas ruas o constante vai e vem das pessoas indicava que algo diferente estava acontecendo.

De súbito um homem esbaforido e agitado aparece na esquina gritando e apontando nervosamente para o outro lado da rua.

Assustado com os gritos do homem, o menino corre para se esconder entre as pernas de sua mãe que, em pé, parece não acreditar no que seus olhos vêem. Rapidamente ela encobre com um lenço os olhos do seu assustado filho a fim de poupá-lo da cena que começa a se desenrolar na esquina da rua de sua casa.

Um grupo de pessoas visivelmente alteradas dirige palavras grosseiras para dois homens maltrapilhos que tem seus braços amarrados a grossas traves de madeira que carregam sobre os ombros. A dor das costas esfoladas por açoites não os impedem de, enquanto caminham, proferirem impropérios e maldições.

Tão rapidamente como surgiram na esquina, este alvoroço de gente segue seu caminho deixando para trás um menino ainda escondido atrás de sua bondosa mãe que esta na porta de sua casa simples em uma rua empoeirada. O vento se encarrega de levar para longe a poeira e o som das vozes dissonantes.

No silencio que se seguiu a mãe sente o filho a puxar-lhe o braço. Ela então se abaixa e ouve a seguinte pergunta:
- Mãe, quem era estes homens com a madeira nas costas?

A mãe responde:
- Estes são homens maus, que fizeram coisas muito ruins e por isso merecem morrer.

O menino então arregala bem os olhos, como que tomado de surpresa com a objetividade da resposta da mãe e exclama:
- Noooossa!!

A intimidade da conversa entre mãe e filho é então interrompida quando uma mulher, com a cabeça coberta por um véu e chorando profundamente, como a lamentar a própria sorte, passa correndo pela rua e diz:
- Ai vem Ele! Ai vem Ele!

Uma multidão de gente, homens e mulheres, de todas as idades, visivelmente alterados e enraivecidos, cercam e acompanham um homem que vai no meio deles cercado por uma escolta de soldados que pouco faz para o proteger da turba que, tomada por frenético êxtase e cruel frenesi, dirige palavras de ordem, fazem gracejos, acusações e vociferam toda a sorte de imprecações e maldições para o prisioneiro.

A mãe, mais uma vez, cobre o rosto do filho para que este não veja a abjeta cena de crueldade e desamor, mas o menino consegue se desvencilhar dos cuidados da mãe e se aproxima o máximo que pode da multidão e se estica todo para ver o homem que empurrado, chutado e cuspido pela massa de gente ensandecida, a passos trôpegos caminha em profundo silêncio. Nada diz. Nada responde. Mantém em sua aparência um ar da mais profunda serenidade mesmo diante da truculência com que é tratado pelos que o cercam.

Ele tem o rosto marcado e inchado de tantos socos e tapas. Na sua cabeça profundos cortes fazem fluir sangue que lava o rosto já desfigurado. As costas e os ombros estão com vários cortes profundos dos quais pendem pedaços de pele de músculo atestando ter o réu sido severamente açoitado.

Diferentemente dos dois primeiros, este carrega uma cruz inteira. Ela parece ser pesada demais. Os pés do acusado param. As pernas tremem. A turba raivosamente grita ainda mais. As profundas feridas nos ombros causam lancinante dor. Sente o peso da cruz. Cai.

Seu rosto ferido, suado e ensangüentado se mistura a poeira levantada pelos muitos pés que o seguem. Ninguém o consola, não há mão alguma que o ampare. Enquanto tenta se levantar sente-lhe arder as costas. É novamente açoitado. Todo o seu corpo treme de dor. Faltam-lhe as forças. Ele respira profundamente. Trêmulo, consegue ficar em pé. A cruz é jogada sobre os ombros e ele então retoma o caminho, lentamente dobra a esquina e segue... para a morte.

Em pé, assustado, olhos bem abertos, o menino passa a mão no rosto para tirar a poeira, esfrega as mãos na roupa e então vira-se para sua mãe e pergunta:
- E este mamãe, o que ele fez para merecer morrer?

A mãe, com lágrimas nos olhos, responde:
- Este, meu filho. Este nos amou primeiro.

BOA PÁSCOA!

sábado, 20 de março de 2010

PELA HORA DO PLANETA

A Hora do Planeta é um movimento mundial promovido por uma ONG afim de chamar a atenção do mundo para questões relacionadas as mudanças climáticas e, em um nível mais elevado, pensar nas questões de conservação de todo o planeta.

Pois bem, este movimento prevê que no dia 27 de março deste ano algumas importantes cidades do mundo apaguem as luzes de monumentos e edifícios públicos e que o cidadão comum também se sinta sensibilizado e motivado a colaborar com tal iniciativa fazendo a sua parte que consiste em ficar por 1 hora no escurinho meditando na importância de sua contribuição individual para a coletividade global, etc, etc, etc...

Cá entre nós, cariocas, assim bem popular mesmo: E o quico com isso, hein?

Já dou minha contribuição de forma compulsória, pra bem da verdade, para o raio desta Hora do Planeta por obra e graça, quero dizer, desgraça dos péssimos serviços da Light - empresa concessionária de serviços de energia elétrica aqui da cidade do Rio de Janeiro - que, não mais de vez em quando mas, de vez em sempre me deixa no mais completo breu.

Quando a luz se vai é hora de um verdadeiro ritual: corre para puxar tudo quanto for fio de tudo quanto for tomada, pois quando a energia retornar – com muita sorte em menos de 24 horas – a possibilidade de queimadeira geral nos eletrodomésticos é altíssima. Realizada a prova do “puxar-da-tomada” é hora do “cadê-a-vela”. Tropeçando aqui e metendo o dedão do pé na quina de um móvel ali, você consegue achar o, já item da cesta-básica carioca, saquinho de velas e dependendo da intensidade de seu medo do escuro seus vizinhos, que senão estivessem em igual situação, poderiam pensar ter se transformado sua casa em algum centro religioso tamanha a quantidade velas acessas.

Ainda não é chegado o dia de A Hora do Planeta e o que eu já economizei de energia elétrica pelo desserviço da prestadora de serviço daria para iluminar a praça perto de casa que vive as escuras, cheia de marginais ávidos para que eu e tantos outros, na hora de A Hora do Planeta apaguemos as luzes e em meio a reflexões energéticas e conservacionistas, eles nos permitam também refletir sobre quão efêmero é o conceito da posse de bens, quão voláteis são as promessas na área de segurança pública e quão insegura é a vida.

Na criação do mundo Deus disse: “Haja luz”.
Pouco antes do fim do mundo a Light diz: “Apague a luz.” E temos mais um apagão no Rio de Janeiro!

Mas apagão, ou melhor, apagões – voluntários ou compulsórios -, não são apenas manifestações de preocupação ecológica ou atestado claro e evidente de incompetência nos mais variados níveis do setor elétrico, na matriz energética brasileira; apagões são também exercícios de pura democracia onde ricos e pobres sofrem e são tratados igualmente, ou quase isso. Veja comigo:

Durante o apagão eu, pobre, rapidamente terminei meu banho sob o chuveiro enquanto o Alcaide, rico, pediu para sua empregada trazer as velas, os sais de banho e ficou de molho, relaxando do dia tenso no escritório; Eu, corri para o telefone e gastei horas ouvindo uma musiquinha irritante esperando ser atendido pela empresa de energia elétrica enquanto o Alcaide ainda repousava em seu banho de beleza; Eu, sob a luz de uma única vela, debaixo de um calor insuportável, sem ventilador ou ar-condicionado e com nuvens de mosquitos (os da dengue!!) ao meu redor ainda aguardo para ser atendido pela empresa enquanto o Alcaide já terminou o seu banho e esta confortavelmente instalado em seus aposentos, sob refrigeração, vendo o telejornal que anuncia viver a cidade do Rio de Janeiro mais um apagão.

Ah, sim! Ele, o Alcaide, mora em um prédio nobre, de uma rua nobre, em um bairro nobre, com vizinhos nobres - sem nenhum pobre - e mandou instalar um potente gerador para garantir nobre energia aos nobres, pobres!

Gaste mais energia pensando nas pessoas ao invés de gastar pessoas para economizar energia.

quinta-feira, 11 de março de 2010

SAUDADE...

De que é feita a saudade?
Senão de uma dor assim pungente
Um lembrar você bem de repente
E sentir-me assim, todo contente
Apesar da lágrima que caí.

Do que é feita a saudade?
Senão de uma suave alegria
De relembrar assim, com nostalgia
Quem já não é, mas foi um dia
Enquanto chora o meu pensar.

Saudade é feita de sentir falta:
De um rosto que não se vê
De uma voz que não se ouve
De tua mão que não mais me toca
Do teu abraço que não tenho mais

Saudade é...
... você.

Maria Barbosa Prado (1944 - 2009)

segunda-feira, 8 de março de 2010

DECLARAÇÃO DO CAIPIRA

Cuma havera di eu expricá
Pra vóis micê intendê?
Vamu vê se aconseguimu
Nestes versinhu dizê
O que nóis está sentindo
E qui faiz o coração batê.

É qui quando nóis te viu
Sentimu na espinha um arrepir
Tamanha a vossa formosura
Virge Santa! Que belezura.

Mais ocê num arreparô
Nem sequer com seus zóio oiô
A minha simples figura
Foi por eu não ter instrução
E só saber contar até os deiz dedo das mão.

Agora qui ocê si foi
Lá pras banda dos estrangeiro
Inté acendi umas vela
Pra minha virge santinha
Pedindo pra ocê vortá
A mó di meu coração acarma.

Mas enquanto a santa demora
A minha prece escutá
Escrevi estes verso
Qui agora vô decrama:

Quando lá de arriba do céu escorre água,
Aqui cá embaixo nesta terra seca i rachada,
As água dos meus zóio tumbém a di escorrê
Pra módi moía a prantinha
Que um dia ocê pranto
No leito do rio da minh’arma
Que di sardade de ocê, secô.

sexta-feira, 5 de março de 2010

NOTA DE FALECIMENTO

Com tristeza e pesar que comunico o falecimento da Amizade.

Ela morreu em decorrência de falência múltipla e infecção generalizada agrava nestes últimos dias pelo descaso. Seu desejo foi não ser velada para evitar o constrangimento do não comparecimento de ninguém. Seu corpo repousa inerte no cemitério da saudade.

Com o pouco de energia e força que lhe restava, pouco antes de expirar, escreveu esta pequena nota e pediu que fosse divulgada.

“Meus queridos, eu que já fui robusta e forte, cá estou exaurida de minhas forças pelo vírus do descaso e da omissão que nestes tempos modernos tem se espalhado velozmente. Custa-me muitíssimo escreves estas poucas linhas, mas como meu último desejo peço que atentem para o que tenho a dizer:

Não deixem que o excesso de zelo com os afazeres diários tirem de vocês a vontade de falar com seus amigos. Reservem tempo para dar sinal de vida seja com uma ligação, uma carta, um email ou, melhor ainda, pessoalmente.

Não cobrem que os teus amigos te procurem; procure você por eles.

Jamais tratem seus amigos com indiferença, arrogância, prepotência ou preconceito de qualquer espécie.

Saibam valorizar o que teus amigos têm de melhor

Reconheçam nas possíveis diferenças entre você oportunidades de mútuo aprendizado.

Exercitem o perdão genuíno.

E lembrem-se: sempre façam contato. Amigos gostam de abraço.”

Então ela, a Amizade, assim que terminou de escrever me entregou caneta e papel, seus lábios ainda esboçaram um lindo sorriso, respirou profundamente, cerrou os olhos e adormeceu.

terça-feira, 2 de março de 2010

DEFINITIVAMENTE, EU

Eu sou, no singular.
Substantivo próprio.
Transgressão a regra gramatical na
Efêmera manifestação de rebeldia.
Figura de linguagem distorcida,
Escrita e agrupada
Nestes singelos versos.
Sujeito simples, sem muita forma ou rima
Objeto direto, às vezes indireto
Núcleo desta oração inacabada em mim.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

MÁXIMAS E MÍNIMAS

Desconfie de quem só sabe tecer elogios. Com a boca louva-te pelas ruas, mas com a língua te apunhala pelas costas.

Não faça planos com quem fala muito ‘eu isso, eu aquilo’ pois neste discurso não há espaço para o ‘nós’.

Cada um de nós sabe aonde lhe aperta o calo, mas somente alguns têm coragem de andar descalço.

Verdades nunca são ditas ao pé do ouvido mas sim de frente, olhando nos olhos.

Quem trata os outros como bens de consumo acabará falido e esquecido por conta de sua própria insaciedade e insanidade.

Quem fala da vida dos outros expõe a própria, primeiro.

Quer saber o que alguém pensa de você? Contrarie esta pessoa e ela revelará tudo.

Nunca abra a boca sem antes abrir os olhos para ver, os ouvidos para ouvir e a mente para entender. Do contrário, será tomado como tolo.

Antes de apontar o defeito dos outros, certifique-se de não estar você mesmo diante do espelho.

Carência afetiva é igual doença para plano de saúde: pré-existente e não tem cobertura.

Cuidado com a paixão fulminante. Você pode sair dela, no mínimo, chamuscado.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A PRIMEIRA GOTA

De costas para a rua e olhando fixamente para o velho portão de ferro pintado de cinza, ele não esboçava nenhuma reação. Não se sabe ao certo por quanto tempo ele ficou ali, parado em frente ao portão de sua casa; molho de chaves em uma das mãos e na outra um saquinho de papel com seis pãezinhos que ele acabara de comprar na padaria da esquina.

Homem de poucas palavras, ele sempre entrava apressadamente em sua casa. Tinha o semblante entristecido pelas circunstâncias da vida, não era dado a muita interação com os vizinhos, exceto os habituais “bom dia” e “boa noite” e nada mais. Dele não se sabia nem o nome.

A vizinhança que por estas horas, todos os dias, fazia na pacata rua residencial uma verdadeira bagunça com crianças ainda com o uniforme das escolas correndo de um lado para o outro brincando de pega-pega; senhores animados discutindo o futebol do fim-de-semana; jovens donzelas prontas a estender olhares para o primeiro rapagão que passe; senhoras já nem tão jovens trocando receitas de bolo, receitas de tricô, impressões e fatos dos capítulos de ontem das telenovelas e da vida de outrem e mais adiante uma senhorinha passeando com o seu bichano enquanto, do outro lado da calçada, um pitboy tenta segurar seu pitbull; rapidamente vai se recolhendo em suas casas.

Uma gota gelada cai por entre seus olhos tirando-o assim de seu transe contemplativo e ele então percebe que está completamente molhado pela chuva que cai intensamente.

Uma das crianças que ate pouco tempo antes brincava – seca – de pega-pega, corre na direção dele e muito rapidamente, com as duas mãozinhas, segura no braço dele e diz bem alto: “Peguei, tá com você!” e sai correndo o mais rápido que pode para junto das outras crianças que agora, molhadas, observam o homem então vira-se bem devagar em direção a elas, semblante franzido, lentamente ele deixa o saquinho com os agora encharcados seis pãezinhos em um canto, perto do velho portão cinza, coloca o molho de chaves em um dos bolsos da calça, abre um sorriso e junta-se aos pequenos em sua algazarra pueril.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O POETA DOS VERSOS PERDIDOS

Ele havia demorado dias para escrever seus versinhos de amor. Investira tempo pensando as melhores palavras e após folhas e mais folhas de papel amassadas ao chão havia finalmente terminado sua obra. Não era nenhuma declaração pungente, era apenas o dizer simples do sentimento mais ternos que ele já houvera experimentado: a paixão.

E naquele mesmo dia, a noite, ele haveria de encontrar-se com sua inspiração. Engalanou-se todo; o perfume caro somente para ocasiões especiais foi usado sem modéstia. Estava impecavelmente trajado. Sorriso no rosto, olhos brilhando... tudo tinha um motivo: sua inspiração voltara de viagem.

Antes da hora marcada, apressadamente saiu de casa e se certificou de que seus versos estavam devidamente escritos no cartão que houvera adquirido. Chegou ao local do encontro com trinta minutos de antecedência e, tanto quanto pudera, pacientemente aguardou até que seus olhos pudessem ver a razão de seu afeto.

Pronto ali estava, bem na sua frente a amável figura por quem seu coração, de uns dias para cá, andava batendo acelerado. O mundo parecia ter parado. Ficaram assim, como que congelados no tempo a se olharem, não era preciso dizer mais nada; mas ele queria dizer, dizer seus versos de poeta, os versos que pensara e escrevera na tarde daquele dia.

Ao buscar o cartão aonde escrevera seus versos, não o encontrou consigo. O coração acelerou-se, suas mãos ficaram geladas, seu rosto agora exibe um ar de preocupação e lentamente fixam o chão. Os versos e o cartão ficaram no banco do táxi que o levara ao aeroporto.

Aturdido e não conseguindo dizer palavra, o poeta retirou-se cabisbaixo. Perdera os versos, extinguiu-se a paixão, acabara o amor e retirou-se a Inspiração.

Tempos depois, de desgosto e desilusão, o poeta morreu, tão esquecido quanto os versos perdidos que para ninguém leu.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

RASCUNHOS DO MEU CARNAVAL

É quase fim de festa.
Nas praças, becos, vielas, ladeiras, ruas, avenidas, aonde quer que haja uma batucada, um ziriguidum qualquer, a massa de foliões ainda se aperta, se espreme, canta, samba e dança (ou pula, como preferem alguns) animadamente.

A comissão de frente já fez sua última evolução juntamente com as demais alas da escola, o último carro alegórico já está de volta no barracão, a porta-bandeira recolheu o pavilhão, o mestre-sala deu seu último rodopio, da bateria já soou o último repique do surdo, a baiana fez seu último giro, o alegre passista tocou o pandeiro pela última vez enquanto a sorridente mulata fazia seu encantador requebrado com os quadris para um último flash na avenida.

Silêncio...

Na escadaria da passarela do samba, deitado com o corpo entre um degrau e outro o folião desfalecido, tomado pelo cansaço da folia, adormece. Para onde a vista alcance o que se vê são as sobras da festa de Momo: confetes e serpentinas, plumas e paetês, adereços e fantasias, máscaras e mascarados, pierrôs e colombinas.

Minha introspecção só é interrompida pelo cantarolar desafinado do sorridente gari que, entre um varrer as cinzas da festa e outro, faz da vassoura sua parceira de avenida, de samba, sua mulata.

Cantarolo com ele o samba de sua escola do coração; gentilmente cumprimento a sua “mulata”, pego meu chapéu e saio pela avenida, agora vazia.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

ALMA ZONA SUL

No apressado vai e vem dos teus diferentes pés.
No encontro desencontrado dos diferentes sotaques em tuas esquinas, calçadas, praças e jardins.
Lá estás!

Serpenteias e repousas placidamente nos braços da cidade que te acolheu.

De porte austero e burguês contrastas com a simplicidade e simpatia das almas muitas vezes ignoradas no transcorrer do tempo neste teu trânsito que pára e parado de detém. Retém e se faz refém na reta curva das ondas deste oceano azul de areias brancas que já não mais disfarça a língua negra, fétida e escura a revelar e apontar o disfarçado preconceito de teus sorridentes moradores.

Teu corpo suado, sarado, marcado pelo tempo, bronzeado... tudo em você se funde na indivisível amalgama de ter o mar como vizinho de porta.

Que charme!!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

COM VOCÊ

Em teu braço abraço a alegria de viver
Na gostosa saudade de teu afago
Na doce lembrança do teu beijo.

Repouso no descanso do teu sorriso
No riso solto que ilumina tua face
Na candura terna e meiga da tua voz a chamar meu nome.

Conto as horas para te ver
E aguardo o tempo de te amar
Com toda a força do meu desejo
No suave toque de nossos corpos nus.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

RIO 40 E TANTOS GRAUS

Tenho experimentado as delícias, venturas e desventuras de viver o auge do verão carioca com o que ele tem de melhor: o sol. Não falo de um solzinho brando, ameno que surge plácida e docemente no horizonte, falo do astro-rei que tem feito torrar a paciência de muitos, inclusive a minha.

Acordar com sol “batendo” na janela tem quase o mesmo efeito de uma exposição direta no melhor estilo praiano então, como não tenho ar refrigerado no aposento onde repouso minha singela e modesta massa corpórea para o descanso, durmo de sunga de praia porque se perder a hora de levantar pelo menos já pego uma cor, já consigo um bronzeado matinal.

A ida para o trabalho ou uma mera saída de casa é parte do suplício do munícipe condução, seja ela de que tipo for, com ar-condicionado é milagre e quando passam vale tudo – tapas, socos, pontapés, dedo no olho, etc, etc, etc – para conseguir entrar primeiro e garantir um lugar sentado. Se você não conseguir fazer a viagem sentado dentro do “frescão” – como são carinhosamente chamados os ônibus que tem sistemas de ar-condicionado – conforte-se de pelo menos ser encoxado sob refrigeração.

Mas frescão é milagre e milagre só na igreja então resta o bom e velho, sempre velho, “quentão” mesmo. E vamos que vamos suando em bicas, sendo encoxado aqui, apertado ali, sacolejando feito pipoca no óleo quente. E se alguma coisa está ruim sempre pode piorar, o trânsito da um nó e tudo para e nada anda; no engarrafamento monstro o único que anda é o camelô de um lado para o outro anunciando a plenos pulmões o seu produto: “água, água mineral!”

O trabalho é oásis ou continuação do suplício infernal, tudo depende da quantidade de btu’s ou rpm’s. sair de baixo do ar-condicionado ou da frente do ventilador só se for em caso de extremíssima urgência-urgentíssima, como por exemplo, para atender ao chamado da mãe-natureza. E aí então você pode até levar uma folha de papel, um pedaço de cartolina, um leque, enfim, qualquer coisa que possa proporcionar-lhe algum frescor durante a atividade biológica. Cá entre nós: de mais-a-mais, nestas horas um ventinho circulando é bom para disfarçar o budum, né?

Hora do almoço é sempre surpresa. Onde comer sob um calor de fritar ovos no asfalto? Muitos restaurantes mantêm a tradição e oferecem os pratos mais “absurdos” neste calor: feijoada, leitãozinho a pururuca, peixe frito, buchada de bode, strogonoff. Mas se você achou isso “pesado” demais sempre existe uma opção mais “leve”, mais saudável, mais natural: sopa, e quente!! Tem maluco pra tudo mesmo.

No pouco espaço de tempo que resta pós-almoço e pré-trabalho vespertino, o negócio é procurar um lugar que tenha ar-condicionado e matar o tempo ali. Nesta busca qualquer lugar é válido: shopping, banco, farmácia, loja de doce, repartição pública, magazines, centro cultural, livraria, igreja, etc, etc, etc.

A volta para casa é tão cruel quanto a ida para o trabalho mas agora já não mais importa o aperto, o desconforto, a encoxada, o engarrafamento ou o camelô, o único que parece feliz no fim de um dia tão quente, que continua a anunciar a plenos pulmões o seu produto: “água, água mineral!”

Quero descanso, estou um bagaço.

Vou dormir de sunga porque amanhã, por certo, vai dar praia de novo... na minha cama.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

VELOCIDADE CONTROLADA

Ando sem paciência
Então, corro.

Quando corro, atropelo.
Quando atropelo, machuco.
Quando machuco, sofro.
Quando sofro, sinto.
Quando sinto, penso.
Quando penso, reflito.
Quando reflito, comparo.
Quando comparo, analiso.
Quando analiso, percebo
E quando percebo é que descubro que sou igual a você.

Então não me censure
Nem me multe por dirigir a mais de cento e vinte nesta estrada;
Caminho,
Meio e fim
Que me afasta e aproxima de ti.